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Febre pós-ataques, livro de Hemingway é retrato da melhor vocação de Paris

Rodrigo Casarin

19/11/2015 16h41

1920

Após os atentados na França, o livro "Paris é Uma Festa", de Ernest Hemingway, tornou-se uma espécie de símbolo para o momento. Exemplares da obra estão sendo colocados entre flores e velas dispostas na frente dos bares alvejados por balas e do Bataclan, casa de shows onde a maior parte dos mais de 130 assassinatos aconteceu. A Folio, editora francesa do título, divulgou que a venda diária de "Paris é Uma Festa" saltou de 10 para 500 exemplares após os ataques.

Nascido em 1899 nos Estados Unidos, Hemingway viveu parte de sua juventude, entre 1921 e 1926, em Paris. São justamente das memórias deste período que a obra, publicada somente em 1964, três anos após seu suicídio, é feita. Os capítulos breves da narrativa nos mostram o autor tentando tocar sua vida ao lado de Elizabeth, primeira das quatro mulheres que teve, na capital francesa. A luta para conseguir algum dinheiro é uma constante no cotidiano de Hemingway, que ainda estava longe de ser o escritor Nobel de Literatura de 1954 e responsável por livros célebres como "Por Quem os Sinos Dobram", "O Velho e o Mar" e "O Sol Também se Levanta".

Paris e Uma FestaHemingway vendia contos para revistas e jornais. Quando sobrava alguma grana, torrava apostando em cavalos no hipódromo e, vez ou outra, jantando em restaurantes balados, para que conseguisse estar próximo da alta (ou supostamente alta) sociedade parisiense. Isso acaba por nos apresentar, além do cotidiano do escritor durante aquele tempo de sua vida, muito da festiva Paris dos anos 20 – daí o título do livro, evidentemente -, eternizada também em outras representações, como o filme "Meia-noite em Paris", de Woody Allen.

Literariamente falando, o aspecto mais interessante de "Paris é Uma Festa" são os encontros de Hemingway com outros escritores. Centro do mundo naquele momento, na capital francesa viviam nomes que logo estariam dentre os mais brilhantes das letras no século 20, como James Joyce (autor do clássico "Ulysses"), Ezra Pound (poeta e crítico literário) e Gertrude Stein (escritora em cuja casa os artistas costumavam se reunir), que se cruzavam com frequência pelas livrarias e cafés do bairro de Montparnasse.

Dentre essas futuras celebridades também está Scott Fitzgerald ("O Grande Gatsby" e "O Curioso Caso de Benjamin Button", dentre outros), que rende alguns dos melhores momentos do livro. Hemingway relata que em uma viagem que fizeram juntos pelo país, por exemplo, pôde constatar o quão perturbada era a personalidade e a vida de Fitzgerald, que ficava paranoico quando se considerava doente, vivia sendo atormentado pela sua mulher, a também escritora Zelda Fitzgerald, e, ao tentar acompanhar o colega nas bebedeiras, fracassava logo depois das primeiras doses de álcool.

Paris é famosa pelos seus cafés, bares, pelo agito da vida noturna, por ser o centro dos que pregam justiça, igualdade e fraternidade – ainda que muitas vezes essa tríade seja restrita, de fato, a alguns franceses privilegiados – e por ser o lugar onde muitos dos intelectuais mais importantes de nossa história recente construíram boa parte de sua linha de pensamento. Toda essa fama se dá não apenas pelo que acontece em suas ruas, mas também pela maneira que isso é bem retratado em obras de arte como "Paris é Uma Festa". Talvez seja se apoiando em preciosidades desse tipo que aqueles que estão na cidade hoje consigam reaproximá-la da melhor de suas vocações, que nada tem a ver com o medo de novos atentados.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.