Laerte: “As pessoas me veem como uma ursinha carinhosa”
Uma das cartunistas mais importantes do país, autora de séries memoráveis como "Piratas do Tietê" e "Los Três Amigos" e atualmente ocupando um lugar de prestígio, ao lado do editorial, na Folha de São Paulo, Laerte Coutinho empolgou o público que praticamente lotou o cinema onde acontecem as principais mesas do Fórum das Letras de Ouro Preto (Flop). Militante da questão transgênera desde 2010, quando assumiu que gostava de se vestir de mulher e começou a mudar publicamente de "o Laerte" para "a Laerte", o tema dominou a conversa, como era de se esperar.
"Mudei de gênero, o que não quer dizer que virei mulher. Não acho que existam só dois gêneros, o masculino e feminino. Há um mar de possibilidades", afirmou enquanto manifestava seu interesse pelas causas LGBT que, ao seu ver, são fundamentais para que exista uma liberdade de expressão plena. "Há algum tempo atrás alguém falou que a luta de classe tinha acabado. Não acabou", continuou, ao exaltar a necessidade de diferentes grupos buscaram os seus espaços.
Sobre o tratamento que recebe por parte das pessoas, disse não se importar quando lhe abordam no masculino, desde que isso não seja uma forma de ataque ou provocação. "A maioria não usa o masculino de maneira agressiva, mas quando percebo que há má intenção, subo nas tamancas. Mas não é muito frequente. Por algum motivo as pessoas me veem como uma ursinha carinhosa, me tratam de forma fofa".
Lembrando de sua primeira experiência sexual, a cartunista disse que desde então a repressão lhe incomodava. "Quando era jovem e gostava de homem, via isso com muita preocupação. Entrei em pânico depois da minha primeira vez, que foi com um homem. Achava que aquilo era uma doença, então escondi por muito tempo". Não que hoje já tenha se encontrado completamente, entretanto. "O processo de conhecimento, transformação e aprendizado não é isento de medo. Ele é cheio de descobertas maravilhosas, coisas que me empolgam, como este vestidinho, mas tem também coisas que me amedrontam, incomodam. Eu ainda não tenho um namorado, por exemplo. A questão da homossexualidade ainda me perturba. Então, continuo em uma viagem cujo fim não existe".
Sobre suas incertezas, aliás, Laerte foi enfática ao refutar qualquer capacidade ou posição doutrinadora e se mostrou cética com relação à força de seu trabalho. "Eu não me sinto iluminadora de cena alguma. Me sinto tão perdida quanto a maioria das pessoas, na realidade. Dificilmente uma charge muda opiniões, normalmente elas chegam para reforçar pontos de vista".
Mãe e política
Ao longo da conversa, Laerte ainda lembrou muito de sua mãe, que completará 90 anos em 2016, e a maneira como ela encarou a mudança de gênero da filha. "Fiz meu movimento de forma muito tardia. Passei a carreira profissional inteira sendo reconhecida e querida como um homem. O que eu tenho é uma flexibilidade muito grande. Minha mãe me chama no masculino e eu vou falar o quê? Que sou sua filha? Ela responderia: 'te vi nascer, seu idiota'".
Olhando para a mãe que diz entender a dificuldade que muitas pessoas têm em aceitar que alguém mude de gênero ou sexo. "Ela é formada em biologia, tem uma abertura intelectual muito grande, mas acha difícil entender que a biologia é só uma das partes que compõem o que é ser mulher. Eu compreendo o ponto de vista dela e, por isso, o ponto de vista de grande parte da população brasileira, que identifica as pessoas pela genitália".
Já no final da conversa, quando o público pode fazer perguntas, Laerte falou brevemente sobre o momento político do país. "Nas eleições eu votei na Luciana Genro no primeiro turno e na Dilma no segundo, em nome de não votar no Aécio", contou, arrancando muitos aplausos da plateia. "Não sou petista, nunca fui, mas tenho amigos queridos que são pessoas sérias e honradas e estão dentro do PT. Mas claro que lá também há os salafrários. Então, não faço julgamento de nenhum partido por inteiro", concluiu.
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