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Lagercrantz dá sequência à série “Millenium”, não à obra de Stieg Larsson

Rodrigo Casarin

28/08/2015 10h57

 

millenium

"A Garota na Teia de Aranha", quarto título da série "Millenium", chegou com grande estardalhaço. Lançado oficialmente ontem em 25 países, incluindo o Brasil, levou fãs a fazerem fila durante a madrugada em Estocolmo, capital da Suécia, para adquirirem um exemplar e garantirem um autógrafo do autor e já está no topo de algumas listas dos mais vendidos. Escrito pelo jornalista sueco David Lagercrantz – também responsável por uma biografia de Zlatan Ibrahimovic -, o livro é uma sequência da série "Millenium", criada pelo também sueco Stieg Larsson, que morreu em 2004. Com a novidade, tenho visto pessoas dizendo que Lagercrantz dá continuidade à obra de seu conterrâneo, pois essa gente está errada.

Sei que o conceito de obra é um tanto vasto. É comum nos referirmos a um livro ou uma série como obra, e isso não está errado. Mas a obra também pode – e deve – ser vista como todo o trabalho de um autor, algo que, como artista, somente ele pode criar, jamais algum terceiro.

O que Lagercrantz faz é pegar a saga permeada de suspense e aventura do jornalista Mikael Blomkvist e da hacker Lisbeth Salander e criar uma nova história com esses personagens e o universo no qual estão inseridos, mas isso não significa dar continuidade à obra de Larsson. Quem for analisar o falecido sueco como escritor, jamais poderá incluir "A Garota na Teia de Aranha" nos estudos, simplesmente porque o livro não é dele, não lhe pertence, artisticamente, de maneira alguma.

Nesse contexto, dizer que Lagercrantz está dando continuidade à obra de Larsson, não somente à série "Millenium", é um grande equívoco. Seria a mesma coisa que eu me aproveitasse do "Sítio do Pica-pau Amarelo", criasse uma história com aquele universo e alguém dissesse que dei sequência à obra de Monteiro Lobato. Impossível. A obra de um escritor se resume ao que ele mesmo criou.

Os três livros de "Millenium" escritos por Larsson – "Os Homens que Não Amavam as Mulheres", "A Menina que Brincava com Fogo" e "A Rainha do Castelo de Ar" – já venderam mais de 80 milhões de exemplares em todo o mundo. Com isso, não surpreende a vontade de prosseguirem com a saga. Já tivemos outros casos bem famosos que são idênticos. Anthony Horowitz, por exemplo, deu continuidade às investigações de Sherlock Holmes, personagem criado por Arthur Conan Doyle. Sophie Hannah, que entrevistei há alguns meses por conta de sua vinda à Flip, prosseguiu com Hercule Poirot, célebre detetive de Agatha Christie. No entanto, Horowitz não acrescentou nada à obra de Doyle, e o mesmo vale para Sophie com relação a Agatha.

Considerar que ao escrever "A Garota na Teia de Aranha" representa algo à obra de Larsson seria a mesma coisa que incluir fanfics de "Senhor dos Aneis" à obra de Tolkien ou de "Harry Potter" à obra de J. K. Rowling.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.