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O que o escritor moçambicano Mia Couto tem a ver com a Fundação Casa?

Rodrigo Casarin

24/08/2015 12h03

 

BIBLIOT_FERRAZ

"Vão finalmente colocar fogo naquilo com todo mundo lá dentro?"

Foi o que me perguntou o taxista quando disse que estava indo na Fundação Casa da Vila Guilherme para fazer uma reportagem. Não, não iria cobrir mais uma chacina, por mais que essa fosse a vontade dele e de muitos outros "cidadãos de bem". Estava indo com o Ferréz conhecer a biblioteca que o Instituto Brasil Leitor instalara no lugar alguns meses antes. A matéria, em vídeo, está aqui.

Mais do que ver o espaço em si, a ida ao lugar que tantos temem – já desconfiava disso, mas confirmei ao contar a amigos e parentes onde iria naquela sexta – serviu para desmistificar algumas coisas e confirmar outras.

Confirmar, por exemplo, que a história dos jovens que ali estão são semelhantes: família desestruturada, de poucos recursos e com razoáveis oportunidades na vida, financeiramente falando, sendo dadas somente pelo crime.

Por outro lado, desmistificar que sejam casos irrecuperáveis. A biblioteca está ali há menos de três meses, mas já serviu para que motivasse jovens que nunca tinham lido a, nesse curto espaço de tempo, ler mais livros do que muita gente que conheço. Não só isso, também incentivou alguns a escrever poesias e a compor músicas. Mais importante, rompeu com o estigma que vários ali tinham de que ler é uma coisa para idiotas – sim, há que pense isso de leitores.

O escritor moçambicano Mia Couto, autor de grandes títulos como "Terra Sonâmbula" e "Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra" e primeiro escritor de língua portuguesa a ser finalista do Man Booker Prize, costuma dizer que, como cresceu em uma casa de poetas, cercado por livros e vendo seus pais escreverem, sempre achou que era normal alguém ser escritor. Isso é uma das coisas que falta a esses jovens: referências diretas, exemplos próximos, de que podem ser escritores, engenheiros, músicos, advogados ou seguir qualquer outra atuação que lhes dê uma grande perspectiva, não ser um mero subalterno, sempre com uma figura mais poderosa às suas costas. E a leitura pode lhes abrir esses horizontes, essas perspectivas.

Na volta, o taxista que me trouxe até em casa perguntou se eu tinha ido à Fundação "dar um tapa nas orelhas dos moleques". Essa gente também precisa ter mais acesso a bibliotecas.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.