Topo

Condenado por plagiar Borges, argentino recebe apoio de outros escritores

Rodrigo Casarin

24/06/2015 15h09

 

Pablo Katchadjian

Pablo Katchadjian

Uma polêmica vem causando debate e comoção no meio literário e cultural. O escritor argentino Pablo Katchadjian foi condenado a pagar 80 mil pesos (pouco mais de R$27 mil) a María Kodama, viúva de Jorge Luis Borges e herdeira de sua propriedade intelectual, por conta de um suposto plágio.

Em 2009, Katchadjian escreveu "O Aleph Engordado", uma recriação do conto "O Aleph", de Borges. Sem cortar ou alterar o texto original, o escritor tratou de acrescentar novas palavras e frases à história, criando algo completamente diferente do que havia sido feito pelo autor de "História Universal da Infâmia". O novo trabalho ficou com 9.600 palavras, enquanto o anterior tinha 4.000. "Isso significa que o texto de Borges está intacto, mas totalmente cruzado pelo meu", declarou Katchadjian em uma entrevista.

A experiência saiu como uma auto publicação com tiragem de 200 exemplares, distribuídos entre amigos ou vendidos a 15 pesos (o que hoje daria R$5,11). No entanto, em 2011, a viúva de Borges resolveu processá-lo por plágio. Apesar de ter vencido as primeiras instâncias, na última, divulgada há poucos dias, Katchadjian recebeu a condenação – algo do qual ainda poderá recorrer.

De imediato, intelectuais principalmente da América Latina manifestaram apoio a Katchadjian, entendendo que ele utilizou algo pronto para criar um texto novo e original – recurso muito explorado pelo próprio Borges, aliás, que em sua obra se apropriou magistralmente de criações de outros escritores. A página no Facebook "Apoyo a Pablo Katchadjian" já conta com mais de 7 mil seguidores, dentre eles autores brasileiros como Ricardo Lísias e Sérgio Rodrigues. Também foi criado o site Yo Borges, que convida internautas a criarem novos poemas utilizando versos de Borges.

Os defensores de Katchadjian acusam Kodama de se aproveitar da falta de ferramentas da justiça para diferenciar uma obra de arte experimental, legítima, de um plágio. Com frequência a viúva é apontada não apenas como herdeira, mas uma dona totalitária do legado de Borges.

Veja um trecho, em espanhol, de cada obra, retirados de uma ótima matéria sobre o assunto publicada no blog da livraria e editora argentina Eterna Cadencia.

"O Aleph", de Jorge Luis Borges:

" Beatriz Viterbo murió en 1929; desde entonces, no dejé pasar un treinta de abril sin volver a su casa. Yo solía llegar a las siete y cuarto y quedarme unos veinticinco minutos; cada año aparecía un poco más tarde y me quedaba un rato más; en 1933, una lluvia torrencial me favoreció: tuvieron que invitarme a comer. No desperdicié, como es natural, ese buen precedente; en 1934, aparecí, ya dadas las ocho, con un alfajor santafecino; con toda naturalidad me quedé a comer. Así, en aniversarios melancólicos y vanamente eróticos, recibí las graduales confidencias de Carlos Argentino Daneri".

"O Aleph Engordado", de Pablo Katchadjian:

" Beatriz Viterbo murió en 1929; desde entonces, no dejé pasar un 30 de abril sin volver a su casa. Yo solía llegar a las siete y cuarto y quedarme unos veinticinco o veintiséis minutos; cada año aparecía un poco más temprano y me quedaba más tiempo; en 1933, una lluvia torrencial me favoreció: tuvieron que invitarme a comer y ofrecerme una cama para pasar la noche. La cama estaba sucia, pero yo dormí contento. No desperdicié, como es natural, ese buen precedente; en 1934, aparecí, ya dadas las ocho, con un alfajor santafesino y un vino patero; con toda naturalidad me quedé a comer y luego, con la excusa de que mi casa estaba siendo pintada, me quedé a dormir. Así, en aniversarios melancólicos y vanamente eróticos, recibí las graduales confidencias de Carlos Argentino Daneri, que invariablemente aparecía en mi habitación a las cinco y cinco de la mañana y me preguntaba varias veces, con volumen creciente, si dormía; luego me tocaba escucharlo semiconsciente por una hora hasta que me levantaba, me vestía y desayunábamos juntos. A la cuarta vez descubrí que había quedado prisionero de un ritual anual que me disgustaba; el disgusto, de a poco, fue pasando del ritual a Carlos Argentino; sólo pude volver a disfrutar del ritual cuando Carlos Argentino se convirtió para mí en alguien ya del todo insoportable, y por lo tanto, irremediable y especial".

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.