Topo

E se o Brasil tivesse apoiado Hitler e virado um país nazista?

Rodrigo Casarin

27/04/2015 10h56

capa_a_segunda_patria.indd

E se o Brasil tivesse apoiado a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial? Partindo dessa pergunta que Miguel Sanches Neto escreveu seu mais novo romance, "A Segunda Pátria". Na obra, o país se alinha com o Eixo, passa a apoiar Adolf Hitler e permite que, nos estados do sul, onde a presença e a influência dos alemães é imensa, os princípios do Nazismo sejam praticados.

Saches Neto entrega ao leitor não apenas uma ficção história, mas também uma alegoria a qualquer sistema que, de alguma forma, possa se assemelhar ao nazismo. "Este é, digamos, o pulo do gato da literatura, o que a diferencia da historiografia, por exemplo. Faz-se menção a fatos históricos ou sociais com o intuito de construir uma parábola, que possa ser lida em outros contextos. No Brasil contemporâneo, discursos racistas voltam a ter visibilidade e sustentam posicionamentos de exclusão. A oposição entre sul e sudoeste versus norte e nordeste, que encontramos em alguns destes discursos, é extremamente perigosa", diz ele em entrevista ao UOL.

Com uma narrativa que contrapõe a crueldade vivida pelos perseguidos do regime (encarnada na figura de Adolpho Ventura, um negro pai de uma criança mestiça) com a trajetória uma jovem ariana a quem é confiada uma misteriosa missão, um Brasil com invetiváveis e profundas rupturas sociais é arquitetado.

O escritor lembra que a presença do nazismo no Brasil foi algo real, que se dava inclusive por meio de organizações políticas bastante sólidas, como o próprio Partido Nazista, com sede em várias regiões do país. Além disso, o Brasil mantinha fortes relações comerciais com a Alemanha e vivia um regime político ditatorial que o aproximava das nações do Eixo. "O contexto nos empurrava para Hitler. Tudo isso começa a se inviabilizar, felizmente, quando Getúlio Vargas reprime as organizações políticas que davam força aos estrangeiros, por conta da tentativa de golpe dos integralistas, em 1938", explica Sanches Neto.

Apesar de se sentir incomodado com o tema, o autor lembra que é função do escritor enfrentar os sentimentos perversos ou incômodos que a construção de uma história desse tipo possa causar. "Logicamente, não me identifico com os personagens nazistas, mas me identifico com Hertha, que é a figura mais humana do livro, que se condói pelo sofrimento humano, não importando de que lado ele esteja, e conseguindo se livrar de um doutrinamento ideológico".

Indo além da obra em si, remoer feridas, buscar por abordagens originais e imaginar novas possibilidades acaba sendo, também, um dos grandes papéis desempenhados pela arte. "Como a literatura, na minha concepção, é a arte de se colocar no lugar do outro, aos nos transportamos para uma situação extrema estamos sofrendo bombardeios em nossas emoções, podendo assim nos fazer um pouco mais tolerante com o outro, com o diferente".

Para fazer "A Segunda Pátria", Sanches Neto levou três anos entre pesquisas, escrita e revisão. Durante esse período, precisou deixar a coluna que escrevia no jornal "Gazeta do Povo", de Curitiba, onde trabalhou por 19 anos, e pedir licença da universidade onde leciona. Revela que a maior dificuldade que enfrentou nesse período foi situar-se no "mar de material" que há sobre o nazismo, ao mesmo tempo em que há "pouco material sobre o nazismo no Brasil".

Livro: "A Segunda Pátria"
Autor: Miguel Sanches Neto
Editora: Intrínseca
Páginas: 320
Preço: R$34,90 (físico) e R$14,90 (digital)

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.