70% dos brasileiros não leem. E daí?
E daí que a chance de vivermos em um país de ignorantes aumenta consideravelmente – o que já é comprovado pela crescente intolerância contra tudo que foge do "padrão do homem de bem", aliás.
Está certo que a pesquisa que a Federação do Comércio do Rio de Janeiro apresentou recentemente afirma que 70% dos brasileiros não leram em 2014. Contudo, arrisco afirmar que esse número não precisa ser atrelado ao ano. Por experiência própria e apoiado em outros índices – que apontam uma constante redução no número de leitores no país –, acredito que, se há algum exagero em dizer que sete em cada dez brasileiros não leem, ele está em acreditar que temos três leitores para cada dezena de habitantes.
70% reconhecem que não leram em 2014, outros tantos dos 30% mentiram, disseram ler para não passar vergonha ou consideraram suas leituras do manual de seu carro novo ou do itinerário do ônibus suficientes. Isso preocupa.
Preocupa porque, para não ficar apenas na pura exaltação do livro e da literatura, estudos de renomadas universidades pelo mundo indicam ou comprovam que a leitura aprimora faculdades cognitivas – aumenta a inteligência, em outras palavras – e deixa as pessoas mais empáticas e com opiniões mais sólidas, além de melhorar a capacidade argumentativa e a tolerância a diferentes pontos de vista. Ou seja, transforma o cidadão em algo bastante diferente dos senhores da razão que vemos cada vez mais em nossa sociedade.
Isso acontece porque leitores costumam viver não somente a sua vida e a sua realidade, mas também a vida dos personagens – com seus dramas, opiniões, virtudes e defeitos – e os universos em que estão inseridos – muitas vezes em culturas bastante diferentes da nossa, com hábitos e problemas distintos. A leitura permite um profundo, introspectivo e normalmente longo contato com essas possibilidades, e conviver com isso ao longo de uma semana ou um mês é bem diferente de ver algo durante duas horas em um filme. As chances de alguém falar em heterofobia após ler Oscar Wilde ou urrar pela volta da ditadura depois de ler Bernardo Kucinski são muito menores, por exemplo.
O estudo também mostra que os não-leitores costumam gastar seu tempo com atividades como navegar na internet e passear. Claro que também devem fazer isso, mas será que não dá para deixar dez minutos do dia para um livro, nem que seja durante a ida ao banheiro?
Outro fator que interfere, dizem os especialistas, é a economia. Falta de grana e tempo, pelo que vejo, são as duas desculpas mais usadas por pessoas que não leem. Ora, se falta dinheiro, procure por opções de obras na internet, vá a uma biblioteca, peça um livro emprestado a um amigo ou leia na própria livraria; se falta tempo, organize-se, sempre arrumamos tempo para o que importa. Ou então assuma que não lê porque não quer, é melhor.
Ainda de acordo com o estudo, 55% dos brasileiros não fizeram nenhuma atividade cultural em 2014 (contra 49% em 2013), 89% não foram ao teatro e o número de frequentadores de cinema diminuiu. Muitos dizem que estamos prestes a viver uma idade das trevas por conta de nossa economia. Não acho. Talvez estejamos prestes a viver uma idade das trevas por conta de pessoas cada vez mais fechadas em sua própria bolha, cuja visão de mundo não vai além da televisão da sala e o contato com o diferente se dá, no máximo, quando encontra o colega de escritório.
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